Movimentos sociais se dividem quanto a novo presidente do STF assumir papel de denúncia do racismo
RENATO ONOFRE; TATIANA FARAH; MARIANA TIMÓTEO
RIO e SÃO PAULO — A posse de Joaquim Barbosa na
presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) é
marcada pelo simbolismo da chegada de um negro a um alto cargo na estrutura de
poder, mas movimentos sociais ligados à questão racial no Brasil se dividem
sobre o papel que o ministro deve assumir. Um grupo defende que é o momento de
enfatizar a discussão sobre o racismo e a desigualdade na sociedade brasileira.
Para outros, não cabe ao ministro levantar bandeiras.
O
novo presidente do Supremo em sua vida acadêmica sempre explorou a desigualdade
social e o racismo como tema de teses e palestras. Mas no exercício
profissional, seja no Ministério Público Federal ou no próprio STF, nunca se
levantou como porta-voz da discussão.
—
Esperamos que Barbosa tenha uma visão especial sobre a desigualdade e o racismo
no Brasil. Ele pode ter o papel de trazer à tona a discussão sobre o racismo
para dentro da Justiça brasileira. É uma oportunidade de um negro assumir esse
discurso na mais alta Corte do país. Senão, sua passagem pela presidência do
Supremo se tornará apenas figurativa — defende Rubens Souza, consultor do
Instituto Raízes.
—
Barbosa, no rito da presidência, não pode suscitar uma discussão ou levantar a
bandeira (do racismo). Ali, ele é o chefe de um dos Poderes do Estado e sua
gestão tem que ser marcada como uma gestão para todos. Não só para os negros —
contrapõe Jerônimo Silva Junior, secretário-geral da União de Negros pela
Igualdade (Unegro).
O
presidente da Educafro, Frei Davi Santos, afirma que, mais que ser um
representante negro no Supremo, Joaquim Barbosa reafirma as questões raciais e
combate o racismo no país:
—Você
vê Joaquim Barbosa falando com determinação, com muita ousadia, que o poder do
Brasil é branco, é conservador e oprime o negro.
O
jurista Ives Gandra acha que a origem humilde do novo presidente do STF deve
ser levada mais em conta.
— O
mérito de Barbosa não é ter chegado lá apesar de ser negro. É por ele falar
cinco línguas, ser uma pessoa profundamente culta, etc., apesar de sua origem
social — diz Gandra.
Já
Carlos Melo, cientista político do Insper, e o jurista Celso Campilongo, da USP
e da PUC-SP, acreditam que o fato de Barbosa ser negro é razão primordial para
sua ascensão até a alta Corte.
Melo
acha que o simbolismo pode auxiliar o debate sobre a questão do acesso dos
negros à educação de qualidade e, mais ainda, sobre a necessidade de se “resgatar
a importância dos negros na formação cultural e econômica do Brasil”.
—
Nomes importantes da nossa cultura eram negros ou mestiços: Machado de Assis,
Aleijadinho. Por que só falamos de negros importantes na música e no futebol?
Acho que o país precisa acertar as contas com suas realidades negra e mestiça —
avalia Melo.
Para
Campilongo, a nova função de Barbosa e o julgamento do mensalão contribuem para
combater a sensação de que o Direito brasileiro é elitista.
— O
STF, ao mesmo tempo, julgou pessoas poderosas, que muita gente não acreditava
que seriam julgadas, e um negro chega à chefia da Casa. É um exemplo notável, o
início de um processo de dissolução da ideia tradicional de que o Direito no
Brasil é discriminatório — diz Campilongo.
No
Planalto, a chegada de Barbosa à presidência do STF é vista como “mais um
recado” de que a inclusão social e racial se faz necessária.
—
Essa posse será cercada de uma importância histórica e de um simbolismo que
ultrapassa a própria população negra no Brasil — disse a ministra da Igualdade
Racial, Luiza Bairros.
Amigo
do ministro, o cantor e compositor Martinho da Vila afirma que Barbosa se
tornará referência para as crianças.
— É
um momento importante porque os negros precisam dessa referência. As crianças
negras, discriminadas, marginalizadas, precisam dessa referência. Só de estar
no Supremo, o Joaquim já representava muito uma luta contra o racismo. Agora,
na presidência, essa referência é maior ainda.
Paulão
Santos, presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro do Rio de
Janeiro, cita a luta de Zumbi:
—
Joaquim Barbosa representa o sonho de Zumbi dos Palmares. Um sonho de igualdade
plantado pelos nossos antepassados.
Fonte:http://oglobo.globo.com/pais/posse-de-joaquim-barbosa-simbolica-para-negros-6793504
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